Meu blog serve para pessoas que gostam de ler histórias do cotidiano e algumas crônicas. É, especialmente, uma espaço onde compartilho as coisas que, de vez em quando, me atrevo a escrever.

Wednesday, December 13, 2006


Nossa língua Brasileira

Luciano Sérgio de Sousa Guedes[1]

Quando se fala em língua portuguesa, logo se tem a idéia de uma língua idealizada, projetada para uma unidade lingüística “utópica”. É o que chamamos de gramática normativa. Ensinar essa gramática é, “na prática pedagógica tradicional, inculcar um conjunto quase interminável de prescrições sintáticas consideradas “corretas”, ou (...) cobrar o conhecimento de uma nomenclatura falha e incoerente, junto com definições contraditórias e incompletas”.(Marco Bagno – PORTUGUÊS O BRASILEIRO – 2001 – pág. 9)
Isso é ainda mais complicado se pensarmos em termos de Brasil, com suas múltiplas variedades.
A língua que falamos aqui no Brasil está se tornando, cada vez mais, diferente da língua falada pelos portugueses. Isso é fato científico comprovado por pesquisas de vários estudiosos da linguagem no Brasil.
A língua que o brasileiro fala está, cada vez mais, distante da gramática tradicional normativa que regulou por mais de dois milênios o ensino de linguagem. E, somente com o advento da lingüística moderna, é que começamos a pensar a linguagem como processo dinâmico, algo que sofre mutação e reflete o momento histórico de cada comunidade lingüística, portanto, levando em conta, também, os fatores sociais.
Marcos Bagno cita três exemplos de enunciados significativos em seu livro “Português ou Brasileiro”, a respeito das estratégias que o falante culto do português do Brasil utiliza diante de combinação de PREPOSIÇÃO + PRONOME RELATIVO. São os seguintes:
1.a) Esse é um filme de que eu gosto muito.
1.b) Esse é um filme que eu gosto muito dele.
1.c) Esse é um filme que eu gosto muito.
De acordo com Bagno, a estratégia 1.a) é chamada de relativa padrão porque é a única aceita pela tradição gramatical, a 1.b) de relativa copiadora por causa da repetição de um “pronome cópia” (ELE), a 1.c) de relativa cortadora porque a preposição que o verbo rege é “cortada” na segunda oração.
Os enunciados 1.b) e 1.c) são rejeitados pela gramática tradicional normativa padrão.
Contudo, do ponto de vista lógico, 1.b) e 1.c) são duas maneiras diferentes de dizer a mesma coisa e ser compreendido, mesmo que não esteja de acordo com a gramática normativa padrão.
Há uma pequena diferença entre as três, quase que imperceptível: o uso que a maioria dos falantes do português-brasileiro faz da preposição “de”.
Os gramáticos tradicionais não hesitam em afirmar: estão errados estes enunciados! Mas já que a lingüística nos permite teorizar sobre, façamos uma breve reflexão.
Atualmente, no Brasil, a preposição “de”, em orações subordinadas que completam nomes ou verbos transitivos indiretos, tem caído em desuso, especialmente no uso efetivo da língua falada (embora se perceba também essa marca em alguns textos de jornais, revistas e etc.), de uma forma “quase natural”.
Duas podem ser as hipóteses para tais ocorrências. Ou os falantes não percebem mesmo a necessidade (normativa) do uso da preposição, ou ela realmente não modifica o significado da mensagem. De fato, a supressão parece mesmo não modificar em nada, semântica e sintaticamente, a oração, a exemplo do verbo gostar, em orações subordinadas, como em: “A fruta que eu mais gosto é maçã”. Ao invés de ser “atraída”, a preposição é “repelida” pelo verbo que pode, nesse caso, sobreviver isoladamente e, ainda, sem comprometer a originalidade de tal construção.
Inclua-se nessa reflexão o enunciado 1.b) com uma “colocação indevida” de pronome (ELE), mas que aqui parece, unicamente, querer enfatizar a mensagem que o falante deseja transmitir (o que para a normativa tradicional não deixa de ser, infelizmente, erro ou coisas desse tipo).
O que nos parece claro é que essa é uma característica do português falado no Brasil que vai se delineando para a formação de uma língua genuinamente brasileira, com características sociais muito próprias da nossa cultura que é rica em variedades. Então, teríamos: “1500 O Português – 2000 O Português brasileiro – 2500 O Brasileiro”. (Bagno 2001)
Diante destes questionamentos, qual postura o educador da área de letras deve assumir? A comodidade de dizer que está “certo” ou “errado” ou o desafio de uma reflexão mais séria, teórica, científica a cerca das razões que levam os falantes a construírem tais enunciados?
Acredito que a segunda opção provocará em nós uma maior capacidade de compreender as múltiplas variedades de expressão da linguagem e, conseqüentemente, a quebra do mitos e preconceitos há muito enraizados em nossa cultura lingüística pela tradição gramatical normativa.
Algumas pessoas, especialmente aquela mais ligadas à norma padrão ou culta, dizem que “dói” a falta da preposição em tais construções, mas, em contra partida, na maioria das variedades do português-brasileiro, soa estranho o uso da mesma. Por que esses fenômenos acontecem? Por que soa estranho o uso da preposição, para alguns, ou por que “dói” a falta dela, para outros?
Talvez porque pensar a linguagem de maneira unilateral, querendo colocá-la numa caixinha, seja a maneira mais equivocada de interpretar fatos lingüísticos, já que a língua, enquanto sistema de códigos, possui uma imensa riqueza e dinamicidade.
O fato é que estamos descobrindo, aos poucos, que não existe uma língua ideal, mas existem variedades que, queiramos ou não, são boas e funcionais e que, além disso, são a expressão viva de uma comunidade lingüística que tem direito à fala e não pode ser classificada a partir de nossos preconceitos lingüísticos.
A linguagem é dinâmica, mutável e representativa da cultura de um povo que, se não tem, deveria ter “prestígio” e valor.
Finalmente, viva a lingüística moderna, viva a língua brasileira e suas variedades. Que ela nos ajude a nos descobrirmos, cada vez mais, como pessoas de muito valor, que sabem falar a sua própria língua.

[1] Acadêmico do Curso de Letras-português da Faculdade UNIPEC de Porto Velho-RO, que elaborou este artigo como requisito avaliativo da disciplina de Português – Sintaxe do período composto – da professora Neusa dos Santos Tezzari.

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